«(...) Ambas se reconhecem na mesma definição de Poesia: a
do seu Mestre Álvaro de Campos, que escreve, de igual modo, em
versos livres e longos. Quando têm dúvidas de teor poético-formal,
lá estão elas dentro da obra de Campos, na condição de alunas
ansiosas, à espera das respostas inéditas do seu sábio Professor.
Comportam-se como se estivessem numa sala de aula, em diálogo
com ele, questionando-o, para se esclarecerem e aperfeiçoarem,
pois desejam ser poetas, de facto, tomar a Poesia como o
seu ofício fundamental. Álvaro sempre as elucida, sentindo «tudo
de todas as maneiras», como costuma dizer – (tão) Sensacionista,
inteiramente entranhado no mundo das novas sensações fortes
–, através dos seus poemas, de todas as linhas que escreveu, em
poesia e em prosa, expondo, sem rodeios, as suas teses, Ele, tal-
-qualmente o Poeta Decadentista do "Opiário", dedicado a Mário de
Sá-Carneiro, que «mora no rés-do-chão do pensamento», enterrado
no tédio e no horror à vida, embriagado pelo ópio (um remédio,
como salienta), em viagem por um Oriente inexistente, cansado
da civilização onde nasceu, todavia, civilizado; Ele, o Futurista/
Sensacionista, estampado na sua Saudação a Walt Whitman, na
Ode Triunfal, na Ode Marítima, nos Dois Excertos de Odes e na
Passagem das Horas, escrevendo, febril e «rangendo os dentes», «à
dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica», olhando
para o «Indefinido» «no cais deserto», qual «saudade de pedra»; Ele,
o Intimista, embrulhado nas recordações desse mundo fantástico
da infância, mergulhado no cepticismo e na dor de Pensar, tal como
Pessoa, em angústia existencial e inquietação, nauseado, marcado pelo
extremo cansaço, pela presença fustigante do vazio, pelo abatimento,
desencantado perante si-mesmo e os outros, sozinho, no
seu «cubículo de engenheiro», que elas não conheceram. É, deste
modo, que se lhes apresenta na Dactilografia, completamente
isolado, remontando a quem é, e, na Tabacaria, como um nada,
apesar de carregar dentro de si «todos os sonhos do Mundo».
Perante estes esclarecimentos inesperados, Isabel Rosete e
IR logo se identificaram com o conteúdo dos seus poemas (independentemente dos “rótulos” com os quais são qualificados,em fases evolutivas, pelos teóricos), cuja generalidade dos temas
também são os seus, não por coincidência (forçada) de qualquer
suposta necessidade mimética (repudiam, aliás, a ideia da arte
como imitação seja do que/quem for, primam pela máxima originalidade
possível e nunca lhes tem faltado a inspiração), mas
porque se inquietam, constantemente, com as mesmas questões
existenciais prementes, com as mesmas emoções, estados-de-alma,
pensamentos… expostas por ele, tão frontalmente, antes e
depois das suas explicitações, antes e depois de o terem lido, antes
e depois de o estudarem, como lhe fizeram notar (o seu sorriso, a
sua resposta imediata, foi de satisfação, pois verificou que elas não
se dedicam a temas fúteis) (...).»
Isabel Rosete